Ao levar o cidadão a cantos mais remotos, os condomínios subvertem a lógica clássica do que é uma cidade.
O arquiteto Paulo Mendes da Rocha é adepto da máxima “a cidade é de todos”. Ele observa a cidade como um “valor universal”, “onde as pessoas comungam interesses comuns”. Nesta ótica, ele é ferrenho combatente ao atual modelo de organização urbana, em que as classes mais abastadas buscam regiões afastadas, preferindo condomínios fechados, sejam eles verticais ou horizontais. “Muito melhor é ouvir o burburinho de um bar embaixo do seu escritório do que se isolar”, disse ele, certa vez, em entrevista à Revista E, publicada no Portal Sesc SP. Se viesse a Piracicaba, com certeza Paulo Mendes ficaria revoltado.
Está claro que, da forma como vê a sua profissão, o arquiteto tem uma visão “anti-individualista”, contrariando as tendências do mercado imobiliário, que tem sido valorizado à medida que suas habitações atendem os atuais requisitos de consumidores com maior capacidade econômica. Existe, no entanto, no pensamento do Paulo Mendes, a busca por, diríamos, um conceito mais clássico de cidade, em sua característica de funcionar como imã, ao comungar as pessoas – como define Raquel Rolnik, em seu curto, mas educativo livro ‘O que é cidade’, da coleção ‘Primeiros Passos’ (Editora Brasiliense).
Ao levar o cidadão a cantos mais remotos, os condomínios subvertem esta lógica de Raquel Rolnik, implícita no pensamento de Mendes da Rocha, ao representarem o confinamento, o afastamento, a vida cotidiana observada a partir de veículos motorizados, por amplas avenidas, longe de seu aspecto de convivência mais próxima entre os moradores de uma determinada comunidade. Assim, torna-se mais fácil cuidar de si mesmo a pensar a cidade como um espaço coletivo. Torna-se mais cômodo estar num condomínio de alta segurança ou em um carro com vidros blindados a discutir segurança pública em seu bairro.
Sob este olhar, é possível entender a preocupação com o esvaziamento dos Conselhos de Segurança, os Conseg, como foi apontado em audiência na Câmara Municipal, quarta-feira, 6, em que a capitã da PM Adriana Sgrineiro observou que apenas dois conselhos funcionam, sendo que os outros cinco estão totalmente desativados. A policial militar tratou o problema como resultado de omissão, mas pode ser visto também como indiferença, algo até pior do que a omissão neste caso, já que está embutido a prerrogativa do “salve-se quem puder”.
Não dá para simplesmente ligar uma (condomínios) coisa com a outra (justificativa pelo esvaziamento dos Consegs). Mas, a partir de uma visão clássica de cidade, é possível entender que o incentivo aos condomínios, em detrimento de uma defesa de conceitos mais clássicos do que é uma cidade, acarreta em um tipo de cidadão cada vez mais alheio aos aspectos mais urgentes de seu município, como a segurança pública. Os condomínios podem não ser os únicos culpados pela indiferença popular em comissões coletivas como os Consegs, mas podem representar o seu sintoma mais evidente.
Erich Vallim Vicente
A Tribuna - Piracicaba /São Pedro / Rio das Pedras
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